O dia em que um bolo lêvedo com alcatra fez esquecer o ódio entre a Terceira e São Miguel.


Desafiei-me a encontrar aquela que por definição poderia corresponder a uma verdadeira sanduíche regional. Adianto desde já uma coisa: não vale usar pimenta da terra.
Sei que é uma grande decepção e uma enorme frustração pensar que se poderia resolver este dilema, no limiar do filosófico, com uma tira de pimenta da terra.
Nesta procura pela sanduíche regional também não quero ofender nenhum padeiro em particular, essa figura ecuménica e até paternal, mas a verdade é que maneira geral não temos cá bom pão. Mega Sabor, Pão do Rei e afins não passam fenómenos de imerecida popularidade, fruto de uma sociedade decadente que perdeu o norte a valores ou referências tão simples como o pão. O pão de quando o pão ainda era pão. O pão da Salga é bom. O pão de Santo António é bom. E aquele que denominam na costa norte como o pão de casa também é bom. Mesmo assim, são pães que em si não têm uma matriz identitária suficientemente forte para que possam ser um dos componentes principais de uma sanduíche regional. 
Já um bolo lêvedo conta uma história completamente diferente. Um pão fofo, ligeiramente adocicado, que é feito tradicionalmente na furnas. Bom, tradicionalmente, as putas deviam trabalhar em bordéis, mas no fundo, no fundo, sabemos que fazem o que têm a fazer onde for preciso. Um pouco como os bolos lêvedos que são feitos nos Arrifes e não nas Furnas. Mas como também os vi em Nova York, não vou fazer muito alarido disso, nem creio existir uma razão específica para ser um produto DOP. Agora, que por uma questão de princípio prefiro os das Furnas, lá isso prefiro. São muito mais românticos do que os feitos em qualquer outro lugar no mundo. Nas Furnas é feito com amor. Fora de lá é industria da pornografia.
A seguir pensei, queijo? Enchidos? Panados?
Queijo, apesar do São Jorge ser, transversalmente, um excelente queijo e de termos outros muito bons, como o mistério do Pico e mesmo o queijo velho de São Miguel, não tem gracinha nenhuma e já um tipo de sanduíche recorrente por cá. Enchidos, pergunto quais? Quem souber de um enchido aceitável para além da morcela, e da escassa alheira de Santa Maria usem-no para me chicotearem as costas.
Panados? Panados é só uma ideia estúpida. Não fazem parte da nossa tradição, para além do grosseiro erro dos filetes de abrótea, que já abordei neste blog. (A delicadeza da abrótea perde-se na fritura)
Normalmente, com um pão ligeiramente adocicado serve-se carne. Brioche - Hambúrguer, Alcatra - Massa sovada. Alcatra?
Que bela ideia. Uma sanduíche de alcatra em bolo lêvedo.
Querem uma sanduíche mais regional que esta? E que une duas ilhas, rivais por tradição, estúpida diga-se. Esta sanduíche é mais do que um poderoso mata fome. É um tratado de paz para os Açores. Unir duas ilhas irmãs, à mesa, depois de anos de costas viradas.
Proponho, desde já, um evento de lançamento a meio caminho entre a Terceira e São Miguel. Sim, e com tourada à corda a bordo do barco, como sinal da boa vontade micaelense. E porque não? Com a miudagem dos tambores do Jorge Lavouras, que abrilhantam quase todos os grandes eventos regionais, seguidos da Banda da Lealdade, a Filarmónica da Vila Franca, que toca muito bem por sinal. Muitas roqueiras (foguetes). 300 mil euros em roqueiras. Menos, nunca. Tapetes de flores no convés do barco com temática gastronómica sob a confecção do bolo lêvedo. Bolos lêvedos, expressamente vindos das Furnas, a pé e pelas mãos dos romeiros da congregação da Mãe de Deus. Alcatra feita em forno de lenha. Lenha esta apanhada à mão pelos correligionários do Convento de São Francisco de Angra do Heroísmo. Mas apanhada, exclusivamente, pelos irmãos manetas. Resultando numa cerimónia única, só comparável à queda do muro de Berlim. Houvesse dinheiro para contratar o Roger Waters e os alemães iam ver o que é organizar um evento à escala planetária.
Já a sanduíche é muito simples, abre-se o bolo lêvedo como se fosse um pão pita, ou seja, tipo envelope. E coloca-se a carne da alcatra desfiada lá dentro. A alface é opcional. Creio que lhe confere uma certa crocância, sem adulterar o sabor.
À parte faz-se uma maionese de raiz. Vá lá, não é um monstro assim tão grande, é emulsionar uma gema com azeite. No fim, junta-se a esta maionese o molho da carne de alcatra e coloca-se uma colher de sobremesa na sanduíche regional.

Pronto, venha o fundo europeu para se comprarem as roqueiras.

Comentários

  1. Caro Anton ,

    que ideia !!!

    Ando ultimamente por aqui abaixo da linha do equador a pensar em um negócio onde os sanduiches serão com certeza a prata da casa , no máximo 10 , cada um com uma história a ser contada , desde a francesinha ao mais do que tradicional hamburguer americano ,a passar por um hot dog com gruyere e umas salsichas alemães...enfim ,aqules que consideramos tops ...prometo mandar a listinha definitiva para sua aprovação ...rsrsr e por uma questão afetiva pensava e penso em o que seria um sanduiche Açoreano ,obvio pensava logo no queijo de São Jorge (nada mais obvio ..rsrs) e eis que surge aqui , e a pensar que atravessei o atlantico com um alguidar na mão a noite toda dentro do avião , para alguma coisa ia servir ...rsrs
    farei a experiencia e lhe mandarei noticias ...o problema ...sempre tem um mas ... vai ser o pão ...mas aí já é uma outra historia que conforme os testes forem acontecendo irei aqui relatando .
    um forte abraço
    Pedro Botelho

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